Nuno Sena diz que "o anúncio da morte do cinema português 'por falta de apoio financeiro público' foi algo exagerado. A décima edição do IndieLisboa, que acontece a partir de 18 de Abril, está aí para o mostrar.
São muitos os filmes que escapam a lógicas de financiamento tradicionais. Ainda assim, sem orçamentos públicos, não se fazem filmes em África, como "Tabu". E aquilo que não se produziu em 2012 só se vai notar em 2014, alerta o director do Indie. Mas volta a desdramatizar. "Está a chegar ao cinema uma mistura de gerações. Há a geração dos já consagrados ou dos que chegam agora a uma consagração, como Miguel Gomes, João Pedro Rodrigues e João Canijo, e, ao mesmo tempo, temos uma nova geração de realizadores como João Salaviza, Gabriel Abrantes ou Gonçalo Tocha. Estou optimista."
1. Quando eu digo que "o anúncio da morte do cinema português 'por falta de apoio financeiro público' foi exagerado", pretendo desdramatizar um pouco. Há uma lógica que foge ao domínio exclusivo dos apoios públicos. Muitas das produções do Indie deste ano foram feitas à margem dos sistemas tradicionais de financiamento. Isso não é a solução, atenção. Não é viável um cinema que não tenha parte do seu orçamento garantido por entidades públicas. Mas é interessante e saudável que haja uma diversidade de financiamentos. Quando o IndieLisboa começou, em 2004, não me recordo de mais do que um ou dois projectos com essas lógicas alternativas. Este ano, temos vinte, trinta produções portuguesas feitas dessa forma.
Estes filmes resultam de um grande investimento pessoal, de trabalho em rede, de partilha de recursos e de uma procura de pequenos financiamentos. No ano que passou, não tendo havido financiamentos públicos, existiram dois eventos responsáveis pela produção de muitos filmes, o Estaleiro /Curtas Vila do Conde e Guimarães Capital da Cultura 2012. Daqui resultaram projectos de pequeno orçamento. Claro que com esse dinheiro não se faz uma longa-metragem em África, não se faz um "Tabu". E, atenção, nas lógicas de produção há um efeito de "delay". Aquilo que não se produziu em 2012 só se vai notar em 2014...
2. Há um problema do país em pensar que as soluções estão sempre no Governo e, concretamente, em relação à cultura, há um problema de pensar que a viabilidade do sistema cultural depende apenas de um único agente e que esse agente é o Estado. Mas o Estado não pode retirar-se completamente, e foi esse o sinal em 2012. O período com o anterior secretário de Estado da Cultura (Francisco José Viegas) foi muito pouco frutífero. Em 2013, apesar de tudo, parece haver um retomar de um certo bom senso. Há sinais animadores do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), os concursos foram retomados, a Lei do Cinema entrou, finalmente, em vigor - ainda falta perceber como é que esse dinheiro vai chegar aos cofres do ICA e como vai ser distribuído. Os operadores de televisão dizem-se "aflitos", mas estamos a falar de migalhas dentro daquilo que são as suas receitas. Em qualquer país europeu há um contributo directo dos agentes de conteúdos audiovisuais para a produção de cinema; estamos a falar de conteúdos que alimentam horas de televisão, horas de cabo. Até os operadores de telemóvel deveriam ter sido chamados para contribuir, pois os conteúdos vão estar também nessas redes.
3. Depois de anos de crescimento no cinema, entre 1995 e 2005, voltámos a regredir. Recordo que entre 85 e 95 chegámos a ter menos de 200 salas de cinema. Havia capitais de distrito sem uma única sala. Esses anos coincidem com o apogeu do mercado de vídeo, que matou muitas salas. Em 1995, batemos no fundo. Justiça seja feita ao ministério Carrilho, que permitiu a construção e recuperação da rede de cine-teatros. Agora já não é o videoclube, mas sim a net a grande adversária do cinema em sala. Em Portugal, o número de espectadores nunca foi famoso - na melhor altura cinematográfica, o português ia uma vez e meia por ano ao cinema, uma das taxas de frequência mais baixas da Europa. Hoje temos um mercado a encolher e encolheria mais se não fossem os bilhetes vendidos em sistema "low cost": é o cartão Zon, o cartão Medeia...
Tem de haver uma educação para o cinema. O Plano Nacional de Cinema, ideia plasmada do Plano Nacional de Leitura para colocar crianças e jovens a ver cinema nas escolas, foi anunciado com pompa e circunstância pelo anterior secretário de Estado, mas está com dificuldade de implementação. Não se percebe porque é que esse projecto não é feito em rede com os agentes que estão no terreno, nomeadamente com os festivais de cinemas, que já têm uma espécie de serviço educativo, como o Indie. E os filmes vão ser vistos nas salas de aula? Não é suficiente levar o cinema às escolas, é preciso levar as escolas ao cinema. Os filmes têm que ser enquadrados. Tem de haver educação visual, com análise de carácter técnico e estético...
4. O cinema português sempre reflectiu muito o país, de forma mais metafórica ou mais directa - há uma curiosa evolução, sem juízos de valor, na forma como o cinema português deixou de ser tão metafórico para ser mais directo, ao falar de questões sociais como a imigração. E o festival desse ano reflecte isso. Temos um filme sobre a comunidade guineense, que eu nunca tinha visto reflectida no nosso cinema. O filme "Bobô", de Inês Oliveira, mostra o encontro entre uma mulher lisboeta e a sua empregada doméstica, guineense. Num outro filme, "A Batalha de Tabatô", do João Viana, há uma personagem, imigrante guineense em Lisboa, que vai à Guiné visitar um familiar. É um mergulho em raízes que muitos destes imigrantes já nem conhecem.
Por outro lado, na competição de longas, temos filmes como "Lacrau", de João Vladimiro, sobre as raízes rurais portuguesas. Ou "Campo de flamingos sem flamingos", de André Príncipe, documentário observacional sobre a paisagem rural portuguesa. E temos o filme de João Canijo, "Amor", sobre a comunidade piscatória das Caxinas. Ele interessou-se mais pelas caxineiras, não tanto pelos homens que vão para a pesca, mas mais pelas mulheres que ficam em terra. E é aqui reflectido um Portugal que, apesar das mudanças e dos dinheiros da Europa, tem uma sociedade muito estratificada, segundo papéis sociais idênticos aos que eram há cem anos.
5. Em edições futuras do festival, a emigração será, certamente, um dos temas presentes... Defendemos um cinema de enorme atenção ao real, ainda que seja um real transformado pela ficção. Esta herança do realismo português nunca será abandonada. Apesar de tudo, muito do cinema português ainda está dentro de algum casulo no que respeita aos temas. Talvez a ficção ainda esteja a perder alguma timidez no tratamento de personagens novas que não faziam parte da paisagem portuguesa há vinte anos. Penso que o tal casulo começou a ser furado com o visionismo do Pedro Costa, com "No Quarto da Vanda" ou mesmo na "Casa de Lava", que coloca no centro do seu filme personagens que fogem ao perfil das personagens tradicionais.
6. Fazendo um balanço dos dez anos de Indie, só ficaremos totalmente satisfeitos quando atingirmos todo o público potencial, na ordem das cem mil pessoas. E o Indie gostava de ser como os Dias da Música do CCB, uma iniciativa que gera dinâmicas, que cria vocações, que cria público. Já temos espectadores que começaram a vir ao IndieJúnior, com sete, oito anos, e que agora vêm às sessões normais...
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