quarta-feira, 5 de junho de 2013

O Curso de Cinema: Cinema de Tefé extrapola fronteiras


Gritos na tela


Associação formada por jovens há quase três anos alavanca produção cinematográfica no município do interior




Formada em torno do trabalho do tefeense Orange Cavalcante da Silva, a Associação Fogo Consumidor já produziu vários curtas e até um longa, o suspense “Gritos na selva” (Divulgação)


Tefé não chega a ter uma sala comercial de cinema para oferecer a seus moradores, mas no município a 523 quilômetros de Manaus se faz cinema, e um cinema que já atravessou as fronteiras do Amazonas e até do Brasil. O fenômeno atende pelo nome de Fogo Consumidor Filmes, associação cinematográfica surgida da reunião de jovens em torno do trabalho feito pelo cineasta Orange Cavalcante da Silva na localidade desde o final de 2010. O grupo já produziu sete curtas-metragens, além de um média e do longa “Gritos na selva”, concluído no início deste ano.

O acervo da Fogo Consumidor impressiona, considerando que a associação conta com pouco ou nenhum apoio, e fazer filmes não é barato – envolve muitas pessoas, equipamento caro e gastos inúmeros. O segredo está no uso de equipamentos mais baratos e baixos orçamentos, completados com “vaquinhas” e camaradagem. “São trabalhos com baixíssimos orçamentos, feitos apenas com uma câmera e um microfone, muitas vezes o da própria câmera. Toda a equipe se ajudou: alguém trazia a farinha, outro o peixe, um integrante tinha um motorzinho para o transporte”, conta Orange.

Produção econômica

“Gritos na selva” é exemplo dessa “produção de guerrilha”: foi filmado com recursos próprios, apenas com uma câmera digital Canon EOS t3i e um microfone direcional. Da pré-produção às filmagens, o projeto tomou três meses. “Filmávamos somente aos domingos, já que a maioria dos atores estudavam e trabalhavam de segunda a sábado”, explica Orange. A pós-produção levou mais dois meses e foi feita na ilha de edição de um amigo na Argentina.

As filmagens do longa aconteceram no porto de Tefé e na mata. Além dos atores, o filme tem uma notável participação da população ribeirinha no elenco. “Muitas dessas pessoas encontrávamos durante a rodagem, e as convidamos a participar”, recorda o cineasta. (Veja um teaser do longa.)

Terror na mata

Além da produção parcimoniosa, “Gritos na selva” chama atenção pelo estilo: o longa narra uma história de suspense, com perseguições na mata, conspirações, delírio e mortes sangrentas. Na trama, um grupo de estudantes entra na selva em busca de um amigo, e lá presencia um assassinato cometido por moradores da região. Mais tarde – há spoilers a partir daqui –, eles descobrem que o assassinato era na verdade um ritual de cura, e o pior, que foram vítimas de uma armadilha.

Orange conta que a inspiração para o roteiro, que ele escreveu há três anos, tem raízes na sua infância na comunidade de Nogueira. “Sempre chegavam pessoas de outras partes do Brasil e até de fora. Alguns eram pesquisadores e nos tratavam como se fôssemos pessoas ignorantes e primitivas, e geralmente os homens não tinham respeito com as moças da comunidade”, relembra o cineasta. “Tomei um pouco dessa experiência para desenvolver a história”.

Paixão pelo cinema

O gênero de suspense marca outras produções da Fogo Consumidor Filmes, entre elas o primeiro curta, “Meneruá”, lançado em 2010 e eleito no mesmo ano Melhor Curta do 1º Festival de Cinema de Paraíso, no Tocantins.

A aventura cinematográfica de Orange e dos jovens da associação teve início quando Orange, de volta da Argentina, onde concluía o curso de Cinema, começou a produzir em Tefé um longa como projeto final de faculdade. O trabalho atraiu a atenção dos moradores em geral, mas principalmente de adolescentes, que ficaram seduzidos pela ideia de atuar à frente ou atrás de uma câmera.

Os jovens integrantes da Fogo Consumidor recebem capacitação na área audiovisual por meio do projeto “Cinema e identidade”. As oficinas para jovens de 15 a 25 anos, explica Orange, “têm como objetivo a construção da identidade cultural do Amazonas por meio do cinema”. Há pouco tempo, a associação recebeu a boa notícia de que o projeto receberá financiamento da Secretaria de Estado de Cultura (SEC).

Iluminando vidas

Mais que um filme pronto, para Orange é a transformação que o audiovisual vem promovendo na vida dos jovens da Fogo Consumidor o resultado mais importante do trabalho da associação.

“Esse processo ajudou muitos jovens em estado de vulnerabilidade. Nao sei se algum dia vamos chegar a uma sala de cinema com um filme, mas com certeza vamos mudar a vida de muitas pessoas por meio da inclusão social com cada filme realizado”, declara o cineasta. “Isso é mais gratificante, é uma coisa que nao tem preço”.

Visual realista

A maquiagem e os efeitos especiais se destacam em “Gritos na selva”. Orange conta que o sangue falso utilizado nas filmagens, bastante realista, foi feito com mel e corante vermelho para bolo; quando o orçamento apertou, a receita mudou para açaí com limão. “Ficou muito parecido, mas o problema era colocar na boca dos atores, já que ficava muito ácido”, diz. Outro truque da equipe do longa foi usar água, terra preta e barro para criar hematomas artificiais.

fonte: http://acritica.uol.com.br/

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