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segunda-feira, 23 de dezembro de 2013
O curso de cinema · Cinema: um gigante asiático que explode em violência
Em “Um Toque de Pecado”, Jia Zhang-ke propõe uma reflexão sobre os rumos da China contemporânea
O roteiro do premiado longa-metragem chinês “Um toque de Pecado”, do diretor Jia Zhang-ke, foi baseado em histórias noticiadas pela imprensa do país, relatando casos que ilustram o crescimento da violência em suas cidades
Tema universal, a violência faz-se presente em narrativas humanas desde tempos imemoriais. No atual contexto das produções de cinema e TV, porém, dificilmente mantém o mesmo impacto, frente a repetidas abordagens espetacularizadas e estetizadas (nada contra, a depender da qualidade da proposta).
Mas o que acontece quando o sangue na tela, mais do que exposto de maneira crua, é oriundo de fatos reais? Pior, inspirado por outras violências, anteriores, menos palpáveis, mas igualmente devastadoras?
Expô-las e fazer o espectador refletir sobre elas, enquanto se debate com suas próprias incoerências, é o grande mérito do diretor Jia Zhang-ke em seu novo filme, “Um toque de Pecado”, que estreou neste mês no Brasil. Em Fortaleza, está em cartaz no Cinema do Dragão-Fundação Joaquim Nabuco.
Trajetória
Vencedor do prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes 2013, o longa ratifica a já elogiada trajetória de Zhang-ke, cuja obra o coloca como um dos mais conceituados diretores chineses da atualidade, bem-sucedido na hercúlea tarefa de traduzir as profundas transformações sócio-políticas de seu país nas últimas décadas.
Em “Plataforma” (2000), por exemplo, Zhang-ke aborda as mudanças de um grupo de jovens entre o final da década 1970 e os anos 1980, a partir de uma gradativa abertura cultural ao exterior. Em “O Mundo” (2004), registra o cotidiano de trabalhadores de um parque temático em Beijing, com reproduções de famosos monumentos e pontos turísticos do planeta (nada mais simbólico).
“Em Busca da Vida” (2006) revela a diáspora de moradores de cidades a serem inundadas para a construção de uma hidrelétrica. Já em “Memórias de Xangai” (2010), observa transformações enfrentadas pela metrópole chinesa.
Com “Um toque de Pecado”, o cineasta mergulha fundo novamente, dessa vez pelo mote da eclosão da criminalidade na China contemporânea. O roteiro é desenvolvido a partir de quatro histórias distintas sutilmente interligadas – construídas a partir de fatos relatados em noticiários policiais, coletados pelo diretor na internet.
A rede, aliás, contribui significativamente para o acesso à informação em um país assolado pela censura do governo; o próprio Zhang-ke há anos convive com essa chaga, com filmes liberados pelo governo chinês para concorrer em festivais internacionais e circular o mundo, mas não em sua terra natal. Para “Um Toque de Pecado”, há uma expectativa inédita de exibição permitida em cinemas da China.
Desolador
Protagonizam o longa um minerador revoltado com a corrupção dos líderes de sua vila; um homem que sustenta a família por meio de crimes; uma recepcionista confundida com prostituta, que repele investidas de clientes ignóbeis; e um jovem massacrado por uma realidade trabalhista injusta e sem perspectivas.
Em um país que incorporou o capitalismo sem abrir mão de um regime socialista totalitário, o vistoso crescimento econômico nem sempre significa avanço e a modernização ocorre às custas de retrocessos ambientais e sociais. Em “Um Toque de Pecado”, Zhang-ke deixa clara a terrível perda de valores e de referências, em uma sociedade na qual o dinheiro assume papel determinante em todas as relações.
Não é preciso estar na China para compreender o nível de injustiça e desigualdade gerados a partir dessa equação, que abre espaço para corrupção endêmica, a impunidade e a exploração trabalhista, entre outras violências “menos palpáveis”– que, por sua vez, desencadeiam explosões “mais concretas”, com sangue na tela. Especialmente em países emergentes como o Brasil, a identificação é fácil, na mesma proporção do incômodo consequente.
A soberania do dinheiro sobre qualquer outro valor, inclusive a vida humana, é explicitada de maneira inquestionável logo na primeira sequência. Outros rompantes semelhantes ocorrem ao longo de todo o filme – alguns mais difíceis de assistir, nenhum por acaso. Filmadas sem grandes apelos estéticos, talvez justamente para conceder à violência seu devido peso, as investidas dos personagens sustentam o espectador em um constante estado de reflexão. Racionalmente, qual a lógica de repudiar o assassinato a sangue frio de dois inocentes na rua mas vibrar com o do empresário corrupto ou o do agressor de mulheres? Todos integram a mesma cadeia, partem das mesmas tensões.
Mesmo cenas sem uma única porrada ou tiro podem ser desoladoras – talvez até mais. Como quando, em uma conversa, dois jovens tratam com igual indiferença duas notícias totalmente distintas, sobre um político que gastou enorme montante de dinheiro com bolsas de grife e sobre trabalhadores que morreram em um desastre. “Dane-se”, é a resposta de ambos. Ou quando um pai de família explica como a emoção de disparar armas é importante para sua vida. Ou ainda o barulho seco da queda de um suicida. Impossível sair da sala incólume.
Mais informações
Um Toque de Pecado (Tian zhu ding, China/Japão, 2013), de Jia Zhang-Ke. 16 anos. Salas e horários no caderno Zoeira
Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/noticia.asp?codigo=372584
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